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Celina Guimarães: um voto para mudar a história

Celina Guimarães: um voto para mudar a história




Por Juliano Freire, jornalista e escritor

Mossoró é uma cidade libertária. Deu a alforria a seus escravos cinco anos antes da Lei Áurea, enfrentou o bando de Lampião disparando de cima de telhados e conheceu “a primeira eleitora brasileira”. Esses dois últimos fatos datam de 1927, ano que entrou para a história do município. A edição de O Mossoroense, jornal tradicional da região salineira e petrolífera, publicava em 4 de dezembro do emblemático ano, abaixo da manchete entre aspas acima, o poético subtítulo: “Mossoró sempre à vanguarda dos grandes e nobres cometimentos” ao mencionar o pioneirismo da professora Celina Guimarães Vianna, a primeira mulher a votar no Rio Grande do Norte.

E a Justiça Estadual tem a ver com esse momento histórico. Celina não era apenas a primeira brasileira, mas também a número 1 entre as mulheres da América do Sul a conquistar mais do que uma façanha, um direito, objeto de lutas sociais em várias partes do mundo. O nome da educadora foi inscrito na relação dos eleitores do Rio Grande do Norte, em 25 de novembro, baseado no texto da Lei 660, de 27 de outubro de 1927. Foi o juiz interino da Comarca de Mossoró, Israel Ferreira Nunes, quem comprovou ao analisar documentos apresentados pela pioneira, o direito ao qual fazia jus aquela jovem senhora de 29 anos à época.

Histórico, o despacho do juiz mandou incluir o nome de Celina na relação geral dos cidadãos com direito a votar, felicitando essa mulher. Proeza? Não, a professora era uma mulher simples, porém ciente de seus direitos. Marcado em um calendário, aquele 25/11/1927 poderia ser mais uma data qualquer para uma alma desavisada. O certo é que a data entrou para a história da emancipação feminina brasileira. Uma lei, a decisão de votar e uma decisão judicial direta e clara podem fazer pequenas revoluções que ao passar do tempo tornam-se marcas de uma luta de parcela importante da população por conquistas.

Celina e seu esposo, Eliseu Vianna, diretor da Escola Normal de Mossoró, receberam telegrama do governador do Estado, José Augusto de Medeiros, parabenizando a eleitora número 1 do país. Outro seridoense, o senador Juvenal Lamartine, fora um defensor do voto feminino. A lembrança justa foi registrada pelo próprio Eliseu na comunicação inicial feita ao governante, sobre a qual recebeu a resposta com os cordiais cumprimentos de José Augusto. Pipocaram telegramas de felicitações de nomes importantes para firmar o gesto eternizado pela professora. Do Senado, das mãos de Lamartine, e da Câmara dos Deputados, da lavra de Rafael Fernandes.

A primeira eleitora pensou no direito das outras mulheres e elaborou comunicação marcante, endereçada à direção da câmara alta do país:

“Exmo. Sr. Presidente Mesa Senado Federal – Rio

Mossoró, 29 – Na qualidade de primeira eleitora brasileira cujos direitos vêm conferir-me lei rio-grandense-norte sancionada benemérito Presidente José Augusto, graças inspiração patriotismo alta cultura cívica Senador Juvenal Lamartine, permita respeitável Mesa Senado Federal peça nome mulher brasileira seja aprovado projeto institui voto feminino amparando seus direitos políticos reconhecidos Constituição Federal – Saudações Celina Vianna – Professora Escola Normal Mossoró”.

Para obter o direito de ser eleitora, Celina apresentou à Justiça comprovante de residência, prova de que era professora da Escola Normal de Mossoró e o contracheque anual. O comprovante de endereço era chamado de “Atestado de Residência” e o demonstrativo de renda, de certidão de vencimentos. Coisas de um tempo de linguagem rebuscada, de passeios inocentes na calçada, de cavalheirismo bem vestido, de pouca presença feminina nos debates da sociedade, mas de bravas e corajosas mulheres.